quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ah e tal que vou só ali gastar uns milhares e já volto


Não sei se já tiveram oportunidade de ver o novo anúncio televisivo do último modelo do Renault Mégane. Se não tiveram, da próxima vez que estiverem a ver televisão, começar a dar publicidade e pegarem rapidamente no telecomando para fazer zapping e verificar se a novela com nome de música do Paulo Gonzo/Santos & Pecadores/Pedro Abrunhosa/Rita Guerra (riscar o que não interessa) já começou, pensem duas vezes. Vale a pena.
Nele, um senhor que trabalha num stand de automóveis (a.k.a. um aldrabão enfatiotado) tenta descobrir o motivo do interesse de um cliente que quer comprar o novo Mégane. Se tem filhos? Não. Se quer um carro desportivo, mas que dê igualmente para a família? Não. Se tem um trabalho demasiado stressante e precisa de descomprimir à macho, ao volante de um potente modelo recheado de cavalagem? Não.
Então, qual o motivo para precisar exactamente daquele automóvel?
A resposta não se faz esperar: é que o cliente não precisa dele, mas quere-o. Ponto final.
Como se o disparate da coisa não fosse suficiente, o slogan da marca francesa para o dito modelo é: "Pode até nem precisar dele, mas vai querer tê-lo."
Ora bem, não me parece que comprar um carro, ainda para mais de gama média/alta, como o Mégane é, seja exactamente o mesmo que ir ali à feira de Carcavelos comprar um par de cuecas. Haverá, com certeza, pessoas para quem isso seja uma realidade, mas convenhamos que não o é para a maioria da população portuguesa (e não digo mundial, pois não sei se o dito anúncio passa noutros países com este mesmo conteúdo). Nos tempos que correm, de sobreendividamento, sufoco financeiro e descrédito das instituições bancárias e governamentais parece-me muito pouco inteligente apostar neste tipo de anúncios de puro desperdício. Não que não o fosse antes, evidentemente que sim, mas precisamente agora, afigura-se-me como um valente tiro no pé da Renault. E, se nos lembrarmos que a Dacia (o ramo low-cost da Renault, cujos modelos demasiadamente acessíveis, baseados em tecnologia do tempo da Maria Caxuxa, em que os "crash tests" eram inexistentes e que são fabricados pelos escravos modernos dos países em vias de desenvolvimento, neste caso, do leste europeu) estaremos a falar em duplo tiro no pé. Quem ainda não viu o anúncio da Dacia, em que um casal faz um test-drive num modelo da marca e, ao perguntar o preço do automóvel ao funcionário do stand, fica escandalizado com o baixíssimo preço de €15,600? "Só?", responde uma tiazona com ar de desprezo, "Nem pense que vamos comprar um carro tão barato!" E viram ambos costas, deixando o funcionário com a chave na mão e um ar perplexo.
Os asnos que conceberam semelhantes aberrações publicitárias ou vivem numa redoma e não têm a noção do mundo em que estão ou então querem conversa. Bad publicity is better than no publicity at all. Será essa a intenção? Se foi, estamos mal e se não foi, estamos pior ainda.
"I have a dream" dizia MLK. Eu também tenho: sonho com o dia em que tenha dúvidas sobre o que fazer ao dinheiro. Se hei-de ir comprar um par de cuecas ou gastar €30,000 ou mais num carro, só porque acordei para aí virada e moro pertinho do stand.
E, já agora, se não for pedir muito, uma fonte de chocolate Toblerone no meio da sala e um mordomo com a cara do Johnny Depp. Só porque sim.

2 comentários:

  1. LOL, ainda não vi este anúncio. INfelizmente, só tenho ligado a tv, e a da rtp, para colocar legendas no ar ou actualizar conteúdos do teletexto.

    Tenho de ver se vejo isso para ver se me rio um bocado.

    Ainda hoje, durante um cafezinho, o tema foram os carros. E vejamos só como há cada vez mais pessoas que compram carros porque não sabem o que fazer ao dinheiro.

    S.: No outro dia, a minha instrutora foi buscar o carro da escola ao stand, que estava a arranjar e presenciou uma compra de um BMW desses de topo topo de um «cliente-porque-sim». Eis que ela ficou de boca aberta quando ouviu o preço final da factura: 96 mil euros. Isso dá para comprar uma casa.

    A.: No outro dia, andei numa carrinha mercedes (acho que era esta: http://www.mercedes-benz.pt/content/portugal/mpc/mpc_portugal_website/ptng/home_mpc/passengercars/home/new_cars/models/gl-class/x164.flash.html), enorme, ocupa quase dois lugares de estacionamento, o rádio dispõe as frequências por ordem alfabética, televisões, tudo automático. Preço a partir de 150 mil euros. Portanto, o valor de uma casa. Além deste veículo, o senhor tem mais não sei quantas viaturas, todos de classe gama alta e aiiiiindaaaaaa colecciona carros, tipo bentleys, jaguares...coisas pequeninas, portanto.

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  2. Este spot soube-me a "fonte de Toblerone".
    Well done you!

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