terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Este país não é para honestos - 2010 na balança


Chegados que estamos ao fim de mais um ano, é tempo de:

1- Abastecer a despensa com muita vodka para o Revelhão. É para a desgraça, é para a desgraça!

2- Já que falamos em desgraças, fazer uma espécie de balanço das ditas. Afinal, 2011 não se nos afigura melhor.

3- Votar em branco ou atirar a moeda ao ar nas Presidenciais do mês que vem. Assim como assim vai dar ao mesmo.

Prestes a emprateleirar mais um ano, este 2010 que agora se fina, chega a época dos balanços. O que correu mal, o que correu pior e o que poderá descambar ainda mais se, entretanto, não nos aparecer um D. Sebastião, salvador da pátria lusa, aquele em quem depositamos todas as esperanças para resolver os problemas em que nos metemos por manifesta incompetência e falta de tino.
Libertos de 48 anos de ditadura, finda há 36 anos e a caminho dos 37, ainda não aprendemos a ter-nos pelo nosso próprio pé, preferindo entregar o nosso destino a alguém que, aparentemente, governe o barco sozinho, alguém esse que, em caso de asneira, culpamos sem dó nem piedade pelo mal que nos fez, lavando as mãos de toda e qualquer responsabilidade, qual Pôncio Pilatos em dia de matança.
Dizia-me alguém, há poucos dias atrás, à mesa natalícia, que os portugueses quando vão a votos são um povo que se comporta como a clientela de um mau restaurante. São mal servidos no primeiro restaurante e optam, em seguida, por um segundo. Vão ao segundo e tornam a ser mal servidos. À terceira, em vez de procurarem uma alternativa quiçá melhor, voltam ao primeiro, onde já foram mal servidos anteriormente. E assim sucessivamente, num eterno regresso à 1.ª e 2.ª opções, como se mais nenhuma existisse. A metáfora é simples, mas ilustrativa de uma certa maneira de pensar pequenino, tão característica do nosso povo.
"Para quê mudar se é tudo a mesma coisa?", "São todos iguais, só querem é poleiro!", "Se os outros lá estivessem faziam exactamente o mesmo!": quem nunca ouviu estas e semelhantes barbaridades?
Bem sei que já não resido em Portugal e, quando se está longe, atirar postas de pescada para o ar é muito fácil, mas guess what? Também eu tinha um emprego fixo, com contrato efectivo, cujo futuro se adivinhava igual ao presente (agora passado, graças a Deus). Tinha a minha casa, as minhas coisas e a minha vida orientada. Família e amigos estão todos em Portugal. Corria o sério risco de me transformar numa pessoa acomodada, portanto, e o comodismo "faz-me espécie", por assim dizer. Por isso, quando me apareceu a oportunidade de dar um valente pontapé nisto tudo e emigrar para 3000 km de distância de casa, para um país cuja língua não falo, onde não conheço ninguém, numa cidade onde praticamente não há portugueses, para trabalhar num projecto novo a começar de raiz, na maior multinacional de consolas e jogos do mundo, sem qualquer tipo de garantias blindadas, a minha única pergunta foi: onde é que eu assino?
Lia este fim-de-semana no Expresso um artigo muito interessante, escrito por alguém das minhas idades, que, tal como eu, cresceu numa época em que as roupas, brinquedos e livros passavam de irmãos mais velhos para mais novos e, depois disso, para primos e que tais. Lembro-me de, nos Natais desses temíveis anos 80, não haver consolas de €300, telemóveis topo de gama tão ou mais caros que computadores, portáteis, Iphones, Ipads, Ipods e Iraioqueparta de presente, mas sim uma modesta caixinha de Playmobil, um Monopoly, que na altura já custava a assombrosa quantia de 2000 escudos, ou, eventualmente (mas muito eventualmente) uma boneca (e só uma, que não havia dinheiro para mais). E era assim. Ninguém ficava deprimido por isso, nem tinha que ir ao psicólogo infantil chorar baba e ranho por desamor dos pais. Dois ou três tabefes bem dados resolviam o assunto, se fosse o caso.
Criámos necessidades que os nossos parcos ordenados não conseguem acompanhar. Quisemos fazer figura de ricos com dinheiro que não tínhamos em nome de uma igualdade que nunca existiu. A adesão à UE, em meados dos anos 80, criou-nos, pouco a pouco, a ilusão de que todos podíamos ter casas, carros, roupas de marca, fazer férias nos trópicos e ter três telemóveis, mesmo a ganhar o ordenado mínimo. Esta bomba-relógio levou 23 anos a estoirar e, agora que estoirou, preferimos culpar o governo, a crise internacional, a Merkel, o Sarkozy, a Grécia e a Irlanda, todos menos nós, evidentemente.
Não querendo fazer a apologia de um país que não é o meu, mas onde resido, a Alemanha, resta-me apenas deixar aqui alguns factos:

- Aqui ninguém tem casa própria. A esmagadora maioria das pessoas mora em casas alugadas e ninguém se chateia com isso;

- Raros são aqueles que têm carro e toda a gente utiliza os transportes públicos (bastante mais caros do que em Portugal), que, talvez por isso mesmo, funcionam muitíssimo bem. Os que têm viatura própria, geralmente só a utilizam ao fim-de-semana e existe um carro para toda a família, não há cá aquela mania tão portuguesa de a mãe ter um carro, o pai outro, o filho outro, a filha também e o cão e o gato idem. Ironia das ironias, frise-se ainda que estamos no país dos automóveis por excelência: Mercedes, BMW, Volkswagen, Opel, Audi, Porsche... Need I say more?

- Ao fim-de-semana as estações de comboios estão cheias de gente, que, em vez de utilizar o automóvel pessoal para ir passar fora o fim-de-semana, opta pelo comboio, até porque os bilhetes são mais baratos nestes dias;

- Toda a gente tem a preocupação de poupar alguns tostões, ou seja, se ganham x não vão alugar casa/contrair créditos à banca e pagar x+y. É uma acepção bastante básica, mas que, infelizmente, ainda não entrou na cabeça de toda a gente.

Não quero com isto dizer que tudo aqui funciona bem. Não é verdade. Há coisas muito irritantes e ineficientes também, das quais falarei em devido tempo, para não esgotar assunto, mas a ideia fundamental é que todos temos algumas coisas a aprender com os nossos parceiros germânicos, tal como eles podiam aprender algumas coisas relativas a burocracia, tecnologia e serviços bancários connosco.
Os últimos anos, sobretudo depois da falência do Lehman Brothers e, por conseguinte, do rebentamento da bolha da crise, deviam ter-nos ensinado a ter juízo. Ao invés disso, resolvemos apontar o dedo ao governo, como único responsável pelo sobreendividamento que nos asfixia. É certo que o engordar do Estado é da responsabilidade do mesmo, mas não quando isso a nós se aplica. Sócrates, por muito mau que seja e é, não é o culpado por termos gasto €5000 num plasma que, agora, descobrimos que não podemos pagar. As necessidades criam-se, desculpamo-nos nós. E as taxas de juro ao banco eram tão baixinhas... Eram só 10 anos a pagá-lo... A culpa é do banco que me emprestou o dinheiro quando não devia ter emprestado, pois não se estava mesmo a ver que o meu ordenado não chegava para isso? A culpa não é minha, é sempre dos outros. Bom, resta agora acreditar que o salvador chegará e que nos vai tirar do buraco em que nos metemos. Sim, porque eu não posso fazer nada por mim próprio. Como poderia? Alguém há-de vir ajudar-nos, com certeza.
Essas e outras certezas tinham-nas, provavelmente, os gregos, a braços com a maior rebelião popular da sua história recente, cujas greves paralisam o país e actos de violência se multiplicam, em resultado das políticas de austeridade impostas pelo governo de Andreas Papandreou.
Dizia Clara Ferreira Alves este sábado no Expresso que pouco tardará para que a rebelião comece a manifestar-se também em Portugal. Não me surpreenderia. Motivos há-os de sobra. Vejamos apenas se será uma revolução relativamente pacífica.
Sim, porque se estivermos à espera que o país seja resgatado do pântano (outra expressão bonita, cortesia do Sr. Guterres) por Pedro Passos Coelho, o "salvador da pátria" que aí vem (impossível dizer isto sem desatar a rir à gargalhada) ou, utilizando a metáfora anterior, o dono do segundo restaurante, podemos esperar deitadinhos para evitar a chatice das varizes.