sexta-feira, 18 de maio de 2012

Dépaysement auf Deutsch

Os franceses têm palavras giras e de difícil ou impossível tradução. Uma delas é "engagé", no que à política ou de quem dela vive diz respeito, outra é aquela sobre a qual escrevo estas linhas: "dépaysement". Há muito que me faltavam as oportunidades de voltar a falar francês com falantes nativos, não que não me cruze diariamente com largas dezenas deles pelos corredores da empresa, onde o inglês, por ser a língua oficial, nos deixa a todos cair no facilitismo de adoptar a norma e voltar costas ao que há muito aprendemos. Nos últimos dias acabei de ler o último livro de Amélie Nothomb, "Tuer le Pére", vi o filme "La Guerre est déclarée", de e com Valérie Donzelli, e fui, sem estar minimamente à espera, convidada para jantar com amigos que, por acaso, pertenciam a uma turma de francês e a respectiva professora, francesa de gema, que não conhecia de lado nenhum. Já se passaram 11 longos anos desde a minha última aula de francês, no 3.º ano da minha licenciatura, mas a verdade é que, alguma ferrugem à parte, já sentia saudades de falar outra língua que não o inglês, nem que fosse só por algumas horas, naquela esplanada do restaurante vietnamita numa noite de de muito calor na zona de Nordend. Tudo isto para dizer que, do nada, comecei a tropeçar em palavras já semi-esquecidas como a que intitula este relato. A pouco mais de um mês de um regresso a Lisboa por cinco semanas para trabalhar num projecto da empresa que me vai obrigar a assentar arraiais e montar quartel-general na capital durante mais tempo do que gostaria, o meu cérebro divide-se: por um lado, vai ser bom poder ver amigos e família nos (poucos) dias em que não esteja a trabalhar, ir aos meus restaurantes e bares preferidos nas horas vagas, comer as minhas iguarias preferidas, ver se os sítios de que gostava há dois anos, antes de emigrar, ainda existem ou mudaram muito entretanto, voltar a perder-me nas lojitas do Bairro Alto, ponto de paragem obrigatório em qualquer visita a Lisboa, almoçar no Chiado num dia de calor, ir a Belém admirar a beira-rio, conhecer os sítios novos que ainda não tive oportunidade de visitar, sair à rua e ver sol, sol e mais sol, em vez do tempo esquizofrénico da Europa Central a que me tive de me resignar. Por outro lado, não consigo evitar a sensação de que já pouco ou nada pertenço ao meu país. Uma das grandes vantagens de se trabalhar numa multinacional em que quase todos somos expatriados é que a grande maioria das pessoas vive como se de um Erasmus em idade (mais) adulta se tratasse. Ninguém tem filhos, muito poucos são os casados, sai-se imenso, poucas são as semanas em que não há festas em casa deste ou daquele ou jantares neste ou naquele restaurante. Para quem, como eu, sempre carregou a mágoa de não ter podido fazer Erasmus por falta de condições financeiras, isto sabe mesmo muito bem. Que me perdoem os meus amigos casados ou juntos (que já são a maioria), com filhos maravilhosos e vidas organizadas em função da família, mas voltar a Portugal é ter a certeza de que o meu lugar não passa por aí. Compreendo, louvo e aceito, mas reservo-me o direito de preferir outra coisa. Vou sentir falta da beira-rio em Sachsenhausen nos poucos dias em que o sol nos agracia, dos jantares em Bornheim e em Nordend, dos cocktails do Nachtleben e naquele bar em frente ao Hooters que nunca sabemos o nome, de passear pelas montras da Berger Strasse, dos "lapsus linguae" a que estou sujeita por não falar alemão, do professor de alemão que fala comigo em espanhol e italiano, do italiano que comigo frequenta o curso, estúpido que nem um calhau e a quem só me apetece espetar um murro na tromba, dos amigos, dos colegas, da minha casa, de me sentar no Grüneburgpark a fazer um piquenique e de comer um belo "brunch" na Maison do Pain. Bem sei que serão só cinco semanas e que vão passar a correr, mas o "dépaysement" já ataca. Ele há coisas...