sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Liebe Deutschland/Querida Alemanha,


Nos quase três meses em que aqui resido, fui acumulando agradecimentos para te fazer, mas que, por falta de tempo, ainda não tinha tido oportunidade. Serve esta carta para me retractar e auto-penitenciar por não o ter feito mais cedo.

- Obrigada por pores, constantemente (e por constantemente quero dizer todos os santos dias), a minha paciência à prova. Gosto muito de ter de andar quilómetros aqui em Frankfurt para poder ir ao Deutsche Bank levantar dinheiro. Bem sei que em Portugal somos acusados de ter demasiados terminais de multibanco, mas, convenhamos que ter uma agência do Deutsche Bank de 20 em 20 quilómetros NA PORRA DA CAPITAL FINANCEIRA DE TODO O CONTINENTE EUROPEU talvez também não seja a solução mais brilhante.
Gosto muito de nunca saber quanto dinheiro tenho na conta, por não haver entrega de talão sempre que se faz um levantamento. Faz, sem dúvida, um sentido do caraças, sempre que se quer o extracto da conta, ter de ir a uma máquina diferente, efectuar outra operação e receber, em troca, uma montanha de folhas A4 com todos os movimentos feitos até aí. Ontem recebi para aí umas 10 folhas, que mais pareciam um caderno. Matar árvores é fixe! Experimentem enfiar esta montanha de papel numa carteira como se do diminuto papelito que é cuspido pelos multibancos portugueses se tratasse! Acho que em vez de uma mala à tiracolo vou passar a andar com um trolley.
Agradeço-te, igualmente, o facto de me cobrares €6 por cada levantamento feito noutro banco que não o meu, o que faz imenso sentido. Se isso acontecesse em Portugal haveria uma guerra civil ou, no mínimo, um linchamento público de um dois banqueiros de referência (daqueles que ainda não foram para a cadeia, que, verdade seja dita, já não são muitos).

- Obrigada por te borrifares à grande para um slogan que tão caro me era no meu país: "o cliente tem sempre razão". Aqui, não só o cliente não tem razão nenhuma, como se quiser reclamar não há como fazê-lo. Obrigada por achares que o "Livro Amarelo" é a lista de Páginas Amarelas que a malta usa para embrulhar castanhas, ou, no teu caso, talvez umas salsichas com sauerkraut.

- Obrigada por me fazeres estar à espera do meu cartão de seguro de saúde, pelo qual pago um verdadeiro balúrdio todos os meses, há quase três meses. Por este andar, quando o cartão chegar, já ando de bengala, emigrei para os trópicos e me esqueci do meu próprio nome.

- Obrigada por fechares tudo quanto é loja aos domingos e feriados. Dá muito jeito sair nesses dias e achar que se está numa cidade-fantasma, sobretudo para quem, como eu, sai tarde do trabalho e só tem o fim-de-semana para repor devidamente os stocks em falta cá em casa.

- Obrigada por fechares a maior parte dos restaurantes durante três semanas seguidas, na época de Natal e Ano Novo. Para país pouco católico, levam o nascimento do Senhor muito a sério, não?

- Obrigada pela demora em, basicamente, tudo quanto é serviço burocrático. Gostei especialmente de ter de esperar dois meses e meio para ter internet e telefone em casa e ainda gostei mais de ter de tirar um dia inteiro de férias, em que o salário vai para o galheiro, para o senhor vir cá a casa instalar a linha. Dizer que a linha vai ser instalada "entre as 8 da manhã e as 16h" é, realmente, muito específico. É muito agradável estar um dia inteiro à espera que Sua Excelência, o Sr. do Cabo, chegue, para depois vir aqui, enfiar uma tomada nova na parede e pôr-se a andar a grande velocidade, deixando a instalação e configuração da net e do telefone para mim, que nem sequer falo a porra da língua do demo e percebo imenso de instalações internéticas e telefónicas. Agora entendo porque na Alemanha Vodafone se lê e diz "Fodafone". Algum motivo tinha de haver. Natürlich!

- Obrigada pelas horas infinitas que tenho de esperar sempre que quero alguma coisa, mesmo que não esteja ninguém à minha frente. Já vi que o conceito "ser despachado" é coisa que não existe nos dicionários da Langenscheidt.
Bem sei que fazes tudo isto para me transformar em algo que nunca fui nestes meus já 30 anos de vida: uma pessoa paciente. Asseguro-te, no entanto, que essa estratégia comigo não resulta. Mais cedo me virava para o (cof, cof, gasp, gasp, credo!) Benfica (cruzes canhoto!). Se eu quisesse, de facto, ser paciente, tinha filhos. E não me vês fazê-los, pois não? Pois...

- Obrigada por pores a minha capacidade de endurance à prova. Com a quantidade de vezes que o elevador aqui do prédio avaria ou ameaça fazê-lo, o facto de não saber o que é uma aula de ginástica há mais tempo do que tenho coragem de admitir, acaba por tornar-se irrisório, face aos oito andares que tenho de subir a pé sempre que isso acontece. Obrigada, também, por já me teres deixado fechada lá dentro. A minha claustrofobia adorou e manda-te beijinhos.

- Obrigada pela comida intragável que me vejo obrigada a degustar na cantina do trabalho ou em todos os locais onde não haja restaurantes italianos ou japoneses. O meu colesterol anda feliz da vida, a chafurdar na gordura e molhangas nojentas que todos os pratos, invariavelmente, levam.

- Obrigada por todas as bebidas que compro terem gás. Que todos os alemães bebam água com gás, isso é lá com eles, que é tudo gente esquisita. Agora os sumos de fruta com aspecto de néctar e o ICE TEA (sim, até a porcaria do chá!) ter gás já é um bocadinho demais. A única bebida que, até agora, consegui encontrar sem gás foi o leite. Será que posso patentear a coisa? Se calhar tinha pernas para andar...
Não foi à toa que a primeira expressão que aprendi em Alemão, nas minhas saudosas aulas do curso básico que fiz há oito longos anos atrás na faculdade foi "Ohne Kohlensäure". Eu sabia que isto ainda iria dar muito jeito!

- Obrigada pelo mercado de construção de casas ser inexistente. O facto de a procura ultrapassar largamente a oferta disponível facilita imenso a vida para quem, como eu, apenas quer alugar um T1. Não que não aprecie o facto de morar numa casa com 1/4 do tamanho da que tinha em Portugal: é aconchegante, vá. Obrigada também pelas comissões milionárias que temos de pagar às agências imobiliárias que se dão ao absolutamente extenuante trabalho de nos enviar o número telefónico do senhorio da casa, mesmo sabendo que o dito não fala inglês e eu não ladro alemão. O meu grande bem-haja aos funcionários destas companhias, cujo suado trabalho tanto aprecio.

- Obrigada por todas as aulas de alemão para estrangeiros em todas as escolas disponíveis começarem às seis da tarde. É um horário porventura fantástico, para quem não trabalha. Obrigada por partires do princípio que eu emigrei para a Alemanha para vir coçar a micose e viver aos caídos em vez de (blasfémia!) vir trabalhar. A continuar assim, devo conseguir aprender a língua em 2085, quando já estiver a fazer tijolo.

Danke schön por tudo isto e pelo que, eventualmente, terei esquecido.
Não consegues ensinar-me a ser paciente, mas fortaleces a minha teimosia, já de si bastante robusta. Sim, porque se pensas que, apesar destas pequenas contrariedades, me vou embora, estás muito enganada. Estou aqui para ficar e não são caras feias que me assustam, 'tá? Gosto de ti e quero ter uma relação longa contigo, ou, pelo menos, tão longa quanto possível. Recebeste-me bem, deste-me bons amigos, colegas fantásticos, um emprego que adoro e o cosmopolitismo que sempre apreciei. Ensinaste-me muito, em tão pouco tempo, que a minha vontade é aprender cada vez mais contigo. Basta apenas que limes estas pequenas arestas e ficas um mimo, digo-te eu.
Como vês, teimosia por teimosia, "I'll beat you at your own game, my dear".

Beijos grandes/Liebe Grüsse,

Ana Reis

2 comentários:

  1. ainda bem que não te vê a fazer filhos...

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  2. Isso é que são grandes encontros imediatos e um verdadeiro teste à paciência.

    Pois isso dos bancos...queixam-se os portugueses e nós que lá vivemos uns longos anos, mas funcionam mil vezes melhor. Aqui em Espanha, apesar de haver bancos a cada esquina e não sei quantos na mesma rua, não é assim tão fácil. Primeiro, para que não te cobrem taxas, só podes levantar dinheiro em terminais fora do banco (e fora significa sem ser ao balcão do banco) 3 vezes por mês - bonito! Se queres mudar alguma coisa na tua conta, vais a uma sucursal do banco e mandam-te ir à TUA sucursal, LINDO, não estivesse essa sucursal a 4 horas de distância (de carro). Parece que há concorrência entre sucursais mesmo que pertençam ao mesmo banco - vá-se lá perceber porquê! Ora eu que estava sempre mais habituada a andar com pouco dinheiro na carteira e usar mais o cartão ou levantar quando pudesse - E EM QUALQUER LADO E AS VEZES QUE FOSSE - agora tenho de habituar-me a andar com a carteira recheada. Além disso, TRANSFERÊNCIAS: a CGD é que rula, não ter de pagar quaisquer taxas por transferências seja de que quantia forem e para que banco seja, não há nada mais prático. Aqui, isso acabou-se. É mesmo bom ter de ir ao banco levantar 350€ sempre que quero pagar parte da renda. Se alguém tivesse visão raio-x e visse através da minha mala, certamente não chegaria a casa.
    Enfim, afinal de contas, os bancos portugueses estão mal estão mal, mas batem estes a léguas.
    NOTA POSITIVA: Ser considerada jovem até aos 35 anos e por isso não pago quaisquer taxas anuais do cartão.

    Só aventuras...

    Também nunca percebi esse amor dos alemães por águas e sumos gaseificado. Há quem tenha máquinas de fazer borbulhinhas na água em casa. Enchem a garrafa com água da torneira e zás toca a enchê-las de bolhinhas borbulhantes. Uma professora chegou a dizer-nos que a água da torneira tinha melhor qualidade do que as engarrafadas, a partir daí nunca mais comprei água. A sem gás era brutalmente cara.

    Bem, podíamos ficar aqui nisto a noite toda...e entretanto o blogger corta-me a palavra.. lol

    Boa sorte aqui por terras germânicas, a minha Heimat-adoptata! :)

    bisous

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