quarta-feira, 12 de outubro de 2011

iRaioqueparta



E a 5 de Outubro Steve Jobs foi-se deste mundo. No dia anterior, o novo iPhone 4S tinha sido apresentado ao público. Até na morte desta espécie de Messias capitalista dos tempos modernos há um quê de estratégia de marketing, de oportunismo coincidente, com resultados líquidos: em apenas 24 horas foram vendidos cerca de um milhão de aparelhos. É a homenagem do povo a um homem que ajudou a criar a empresa mais valiosa do planeta e que coloriu as vidas de algumas pessoas com brinquedos bonitinhos, agradáveis, úteis (em alguns casos) mas absurdamente caros.
Ainda ontem 3 ou 4 colegas e amigos tentavam fazer-me ver as virtudes extraordinárias de possuir um iPad (sem sucesso, que o meu cepticismo não vai lá assim com duas cantigas), um brinquedo de €700/€800 que mais não faz do que um smartphone. Custa-me a acreditar como alguém pode achar confortável andar com um aparelho que pesa cerca de um quilo (dependendo da versão, claro), cujo ecrã tem de ser limpo de 5 em 5 minutos, mede mais de comprimento do que um livro normal e tem 64 GB de memória. Por esse preço compra-se um bom portátil, com uma capacidade de memória dez vezes superior.
Não consigo evitar revirar os olhos de incredulidade ao ver o preço que custa um iMac, um iPhone (na Europa, porque nos EUA é substancialmente menor, eu sei e escusam de me bater), um iPod e um iRaioqueparta, quando sabemos os custos de produção ridiculamente baixos que todos eles têm. Os fãs acérrimos da Apple talvez prefiram ignorar que estes são fabricados pela Foxconn, na China, onde em poucos meses 16 trabalhadores com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos cometeram suicídio por não aguentarem as condições sub-humanas em que trabalhavam, os constantes assédios sexuais, coacção física e psicológica, privação de liberdade, jornadas de trabalho inacreditavelmente longas (houve, inclusivé, um trabalhador que morreu após 34 horas de trabalho ininterruptas), para receber pouco mais do que €100 por mês de salário. Significa, portanto, que um trabalhador da linha de montagem da Apple teria de trabalhar 8 meses para conseguir comprar o iPad que ele mesmo fabrica. Justo não?
Morreu um homem que padecia de cancro do pâncreas. Paz à sua alma, sem dúvida. A maioria dos pacientes afectados pelo cancro do pâncreas sobrevive, no máximo, um par de meses. Jobs, felizmente, viveu mais de 7 anos, porque com a fortuna disponível fez tratamentos em todo o mundo e conseguiu até fazer um transplante de fígado.
Gostava que fossem feitas as mesmas exéquias fúnebres de estadista que lhe foram dedicadas aos dezasseis trabalhadores da Foxconn.
Alguém se lembra do nome de qualquer uma das três vencedoras do Prémio Nobel da Paz deste ano, anunciado sensivelmente na mesma altura da morte de Jobs (apenas dois dias depois), no meio de todo o espectáculo mediático e louvores ao Sr. Maçã? Pois...
Nada contra o estilo “cool”, jovem, urbano e sofisticado (chavões que andam todos de mãos dadas, como convém) dos aparelhos começados por “i”: eu própria, se não tivesse mesquinhices como renda de casa, contas para pagar e até comida para comprar e assim (heresia!), talvez fosse pessoa para olhar para a “i trend” de maneira menos dura. Como não é o caso, prefiro pensar que todo este disparate há-de passar, mais dia menos dia.
No dia em que a minha personalidade se definir pelos brinquedinhos que compro é o dia em que podem atirar comigo para o Miguel Bombarda aqui das Alemanhas, por favor.
Morreu alguém que fez muito dinheiro à conta dos “iGeeks” deste mundo e de outros tantos “iSlaves”. R.I.P. e adiante.

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